Retirada de grafites do Minhocão "burocratiza" cidade de São Paulo, dizem urbanistas
Grafiteiros criticam ação da prefeitura e defendem identidade do centro da capital
do R7, por Fernando Gazzaneo, 19/01/2011
Daia Oliver/R7
Empresa contratada pela prefeitura de SP usou tinta
com acabamento invernizado para impedir que novos grafites sejam feitos |
Quem transita na região do elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, estava acostumado a ver grafites em seus 92 pilares. Entretanto, uma ação de limpeza da Prefeitura de São Paulo cobriu recentemente com tinta cinza esses espaços, o que provocou críticas de urbanistas e grafiteiros. Para eles, a iniciativa burocratiza o espaço público e retira do centro da capital parte de sua identidade.
A administração municipal pagou R$ 990 mil à GMR Construções pela pintura - o valor também inclui o desentupimento de saídas de água e a troca de tampas dos bueiros da região. No começo deste ano, a reportagem presenciou funcionários da empresa pintando de novo alguns pilares próximos à estação Marechal Deodoro do Metrô, após nova incursão dos grafiteiros.
Até a publicação desta reportagem, a prefeitura não havia atendido a pedido de entrevista com um representante da comissão que define as ações de limpeza pública da cidade.
Para o artista plástico e arquiteto Silvio Dworecki, os grafiteiros fazem uso criativo de uma obra pública.
- O Minhocão alterou para a pior toda a configuração dessa região. É um absurdo o poder público não permitir que os artistas façam um uso criativo desse lugar. Você impede que a expressão popular participe da construção do espaço urbano.
A cor usada para pintar os pilares do Minhocão, uma mescla de cinza e bege, foi definida por urbanistas e grafiteiros ouvidos pelo R7 como "cinza repartição pública”, “cinza delegacia de policia” e “cinza piscinão”, uma referência às obras antienchentes.
"Luta inglória"
O grafiteiro Gego pondera, contudo, que os grafites já nasceram com a certeza de que poderiam ser cobertos com camadas de tinta a qualquer momento. A “sacanagem”, para ele, é destruir trabalhos de artistas que tiraram dinheiro do próprio bolso para colorir uma cidade “concretada”.
- Grafite não é mural e não nem data e nem hora para sumir. Ele é efêmero por natureza, principalmente aqueles que não tiveram autorização da prefeitura.
Para o grafiteiro Thiago Mundano, a pintura cinza é uma "maquiagem superficial”.
- É evidente que a área do Minhocão está degradada, mas gastar quase um milhão em uma reforma pra apagar os grafites e aplicar um verniz protetor em uma obra que está condenada à demolição é um absurdo. É apenas maquiagem pra deixar a cidade com cara de mais limpa. Porque não gastar esse dinheiro para dar melhor qualidade de vida pra centenas de pessoas que vivem embaixo do Minhocão?
No ano passado, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) defendeu que o elevado fosse demolido como forma de revitalizar a região.
Antes da pintura geral, Mundano conta que foram apagadas apenas frases de protesto abaixo das ilustrações que fez em dois pilares.
- A prefeitura vem censurando minhas frases de protesto pela cidade. Deixam o personagem e apagam o texto. Se a prefeitura entende a identidade da cidade como feia e pálida, então a ação recente de pintura está no caminho certo.
Na opinião do urbanista e coordenador da faculdade de Arquitetura de FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), José Renato Kehl, banir o grafite é "uma luta inglória". A ação também é definida por ele como uma forma de higienizar o espaço público.
- A cidade não tem dono. Ela é uma criação coletiva. Em vez de cobrir de tinta, porque não criar mecanismos para fazer que essa participação interessante para todos?
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