"cracolândia", o/um rótulo

vídeo com fala de Raquel Rolnik sobre a 'Lei da Concessão Urbanística', projeto "Nova Luz" e o conceito "cracolândia", em debate 'Prefeitura e Sociedade Civil'.

debate ocorrido em 22/02/2011, na Casa da Cidade. Raquel Rolnik é arquiteta, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da Relatoria especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

trecho da fala de Raquel Rolnik:

"........ O processo de degradação daquela região foi sendo construído pela política urbana. Aquele lugar não era degradado; aquele lugar foi sendo degradado. Evidentemente, aquilo vira também um território “terra de ninguém” e acaba atraindo os “nóias” e aquilo, então dessa forma, transforma em cracolândia. O conceito de cracolândia, a ideia de que aquilo é a cracolândia aparece então como uma justificativa para definitivamente então, entrar lá dentro, acabar com tudo que tem lá e construir a Nova Luz, sobre aquela obscuridão.

A Nova Luz inclusive chamando a Santa Ifigênia de Nova Luz, e que historicamente, para quem estuda a história da cidade de São Paulo, ali é Santa Ifigênia. Chama Nova Luz porque você lança a ideia de que aquele território será uma nova coisa, que não tem nada a ver com aquilo. Só que aquilo não é a Santa Ifigênia existente e resistente. Dinâmica e econômica real. Dinheiro, gente comprando, vendendo, emprego. Dinâmica, econômica, é um lugar.

O que estou querendo dizer com isto e esse é o histórico que queria colocar. Para dizer que dessa forma isso contamina bastante a maneira como é vista a ideia de sesmaria. Eu acredito, Sesmaria Porteira Fechada. Você entrega porteira fechada para que todo o trabalho de circulação seja privatizado e não deve ser feito. Porque o que deve ser feito num projeto urbanístico para a cidade de São Paulo e para todas as cidades do planeta. Como melhorar aquilo que é? Como constituir para daquilo que é condições melhores com mais limpeza, mais cuidado, mais intervenção urbanística no sentido de melhorar a condição de uso de quem está, para quem está.

A política pública deveria ser feita com essa direção. Com a população a partir daquilo que está e construindo ali, uma intervenção que pode ser uma intervenção com muito mais sustentabilidade. Seria mais do que se opor ao projeto. É muito importante que a gente construa um projeto alternativo, um projeto com os comerciantes da Santa Ifigênia. Eles não precisam sair de lá, serem desapropriados e com os moradores da região para que efetivamente a gente possa ter um projeto que inclua a todos e que não seja simplesmente uma frente de abertura para um capital financeiro/imobiliário. Obrigada.”



fonte: vídeo, canal tonisp1984 no YouTube; transição da fala de Raquel Rolnik, blog Adriano Diogo - Deputado Estadual


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texto 'A “Cracolândia” não é aqui'

do blog ASCEVI - Associação Santa Cecília Viva, por Fernanda Monteiro, publicado em 27/07/2011

Em matérias recentes sobre a instalação artística feita pelo artista Zarella Neto na Rua Apa, diversos veículos de comunicação (SP TV, Jornal da CBN), além de vários blogs, microblogs e outras ferramentas de mídias sociais, rotularam a área como “cracolândia”. Essa palavra depreciativa era usada, há pouquíssimo tempo, para fazer referência à região da Santa Ifigênia – agora redesignada de Nova Luz, devido ao projeto de requalificação da área que está sendo promovido pela prefeitura de São Paulo.

Será que as mídias não percebem o que está acontecendo?

Sem entrar no mérito da discussão sobre os malefícios da concessão urbanística (que são extensos, principalmente para os moradores destas áreas), esses indivíduos que perambulam pelas ruas dia e noite, sem absolutamente nada que os tire dessa condição de usuários de drogas além de medidas e ações paliativas, estão sendo usados como massa de manobra. O poder público cruza os braços e deixa a situação chegar ao limite: assaltos, tráfico de drogas e até mesmo assassinatos. Então, chega um momento em que qualquer solução, até mesmo a concessão urbanística, se transforma, às vistas da opinião pública, em uma solução melhor que o status quo.

Então, a “cracolândia” expulsa da Santa Ifigênia está sendo transferida para a Santa Cecília e Campos Elísios. E o poder público continua de braços cruzados visando novas áreas para implementar projetos de concessão urbanística.

Por sua vez as mídias, consciente ou inconscientemente, vêm se demonstrando cúmplices desse processo, ao rotular e noticiar estas áreas da cidade como “cracolândia”. Vamos ser claros: a região da Santa Ifigênia e, agora, a Rua Apa, não são cracolândias. São ruas dessa cidade abandonada pelos nossos governantes, que, apesar dos elevadíssimos e inúmeros impostos que pagamos, se recusam a garantir ao cidadão segurança e dignidade para que possamos continua a trabalhar e pagar impostos. São ruas que abrigam pessoas de bem, que trabalham, cuidam de suas famílias, PAGAM IMPOSTOS e não têm a sorte (será mesmo?) de poder morar no Morumbi, em Higienópolis, no Alto de Pinheiros. Existe cracolândia nesses locais? Existe projeto de concessão urbanística programado para essas áreas?

Fica, aqui, nosso apelo para a mídia em geral: não rotulem as áreas da região central da cidade, de “cracolândia”. Respeitem os moradores desses bairros, respeitem o drama desses indivídios que precisam viver apesar de terem, na porta de suas casas, drogaditos abandonados à própria sorte, usados para propósitos financeiros escusos.

Usar essa denominação depreciativa desrespeita os moradores, fere a identidade desses indivíduos, modifica negativamente a relação que as pessoas mantêm com o local onde moram, além de ratificar e conferir legitimidade, a projetos altamente discutíveis. Não seria essa mesma a intenção do poder público?

Fernanda Monteiro, Secretária da ASCEVI

>> link para a publicação a A “Cracolândia” não é aqui, blog da ASCEVI

>> veja uma das matérias 'Nossa Senhora do Crack' ,sobre a polêmica instalação do artista Zarella Neto, a que o texto se refere, site da revista Zupi